Manipulação sofisticada de átomos permite entender histórico de grande reservatório subterrâneo de água no norte da África
O Aquífero de Núbia, fonte de oásis lendários localizado no Egito e na Líbia, se estende languidamente por quase dois milhões de quilômetros quadrados do norte da África, pincelando uma coleção de poços subterrâneos de águas que migram lentamente através de rochas e areia em direção ao Mar Mediterrâneo.
O Aquifero - dos mais antigos do mundo. Contudo, seu funcionamento - como ele flui e com que rapidez a água da superfície o reabastece -- tem se mostrado difícil de compreender, em parte porque as ferramentas disponíveis para estudá-lo foram capazes de oferecer, na melhor das hipóteses, imagens pouco nítidas.
O Aquifero - dos mais antigos do mundo. Contudo, seu funcionamento - como ele flui e com que rapidez a água da superfície o reabastece -- tem se mostrado difícil de compreender, em parte porque as ferramentas disponíveis para estudá-lo foram capazes de oferecer, na melhor das hipóteses, imagens pouco nítidas.
Agora, para resolver alguns desses quebra-cabeças, físicos do Departamento de Energia do Laboratório Nacional de Argonne, em Illinois, estão pesquisando uma das partículas mais raras da Terra: um isótopo radioativo não estável que costuma ricochetear na atmosfera a centenas de quilômetros por hora.
O primeiro sucesso obtido pela equipe foi a destilação desses isótopos não estáveis, conhecidos como criptônio-81, na água do enorme Aquífero de Núbia, parte do qual está 3,22 quilômetros abaixo do oásis do oeste do Egito, onde há templos em homenagem a Alexandre, o Grande. O segundo foi manter esses isótopos em condições de análise e medir o quanto eles tinham deteriorado desde última vez em que viram a luz do sol.
Saber quanto tempo a água ficou por baixo da terra ajuda os pesquisadores a entender quão rápido os aquíferos são reabastecidos pelas águas da superfície e quão rápido eles se movem, favorecendo a obtenção de modelos geológicos mais precisos. A água subterrânea está se tornando um fator cada vez mais relevante no tocante ao destino da água potável disponível do mundo _ e essas descobertas podem aumentar de modo significativo nosso conhecimento de como ela se comporta.
Pradeep Aggarwal, que dirige a seção de hidrologia isotópica do programa de recursos hídricos da Agência Internacional de Energia Atômica, disse que o rastreamento de massas de água mais antigas permaneceu pouco claro durante muito tempo. A datação por carbono-14, tão útil em arqueologia, só chega até aproximadamente 50 mil anos atrás.
Hoje, está claro que o Aquífero de Núbia demorou um milhão de anos para se formar.
"Estamos verificando diferentes maneiras de estudar a água há décadas ", disse Aggarwal. "Nós utilizamos vários isótopos diferentes -- e estáveis -- para rastrear a origem da chuva. Nós também utilizamos radioisótopos para descobrir quão rapidamente as águas subterrâneas se movimentam".
Durante anos, os cientistas se basearam na datação por carbono-14, o que os levou a acreditar que o aquífero tinha apenas 40 mil anos. Eles sabiam que o criptônio-81, um isótopo presente ao ar livre, mas não no subsolo, seria um marcador mais adequado para monitorar o movimento da água subterrânea. Quando a água perde o contato com o ar, o relógio da radioatividade começa a contar; o isótopo decai em um fator de dois a cada 230 mil anos, e é possível mensurar esse decaimento em até 2 milhões de anos atrás.
Porém, isolar os isótopos criptônio-81 foi terrivelmente difícil; e apanhá-los foi ainda pior.
O físico do Laboratório de Argonne Zheng Tian-Lu e seus colegas passaram 14 anos se especializando e ampliando técnicas de desaceleração de átomos -- as mesmas técnicas baseadas em lasers criadas pelo atual ministro de energia dos Estados Unidos, Steven Chu, na década de 1980, pelas quais ele recebeu o Prêmio Nobel.
Quando Lu percebeu o potencial benefício do isolamento de isótopos criptônio-81, foi "tomado pela pesquisa", contou ele. "Eu tentei usar o método de captura que eu já tinha aprendido para tentar resolver o problema de datação do radiocriptônio".
"Estamos empregando a capacidade de controlar e manipular átomos para localizar o criptônio-81 em meio a um milhão de tipos de isótopos de criptônio", acrescentou. Há apenas um átomo de criptônio em cada milhão de moléculas de água; um em um trilhão desses átomos de criptônio é o isótopo criptônio-81.
O segredo, segundo ele, é a utilização de lasers para detectar a frequência em que os átomos oscilam _ algo equivalente a tentar determinar a altura exata de uma nota musical. Detectar as diferenças infinitesimais da ressonância de isótopos é difícil, mas quando se consegue fazê-lo, os lasers podem ser ajustados para captar a frequência de cada isótopo. Quando átomos de criptônio-81 passam por um laser adaptado a eles, brilham intensamente e se desaceleram, possibilitando que os cientistas visualizem com mais facilidade as partículas que devem isolar.
O processo começa quando a água é extraída do aquífero sem ter qualquer contato com o ar. O criptônio é retirado da água por um sistema a vácuo. Uma vez identificados e desacelerados, os isótopos de criptônio-81 são capturados por seis feixes de laser que incidem sobre eles a partir dos quatro pontos cardeais da bússola, vindos de cima e de baixo. É possível, então, medir o seu decaimento.
"A partir desse levantamento acerca do passado da água, você observa a forma como ela costumava fluir em um passado muito remoto", disse Lu. "Mas há também implicações a respeito de como manejar as águas hoje". Ele acrescentou: "Para manejar um recurso hídrico, é necessário construir um modelo hidrológico realista".
Futuro do aquífero
É aí que entra Neil C. Sturchio, geólogo da Universidade de Illinois, em Chicago. Ele trabalha com o modelo mais bem aceito de como a água flui através do Aquífero de Núbia.
É aí que entra Neil C. Sturchio, geólogo da Universidade de Illinois, em Chicago. Ele trabalha com o modelo mais bem aceito de como a água flui através do Aquífero de Núbia.
"A razão pela qual este modelo foi elaborado", disse ele, "é a existência de um acordo internacional entre os países que partilham essa água" -- a saber, Egito, Líbia, Chade e Sudão.
"A questão é: com a Líbia bombeando suas águas a sério e o Egito fazendo a mesma coisa em suas áreas de oásis", o que acontece com o resto do aquífero? Se um bombeamento pesado chegar muito perto do litoral, a água salgada pode ser arrastada para a depressão hidrológica criada pelo bombeamento.
O Aquífero de Núbia não está exatamente em um processo de seca; ele está preenchido pelo equivalente a mais de 500 anos de fluxo do rio Nilo; estima-se que suas águas subterrâneas, se considerarmos apenas a porção egípcia, excedam 41 mil quilômetros cúbicos.
Aggarwal, da Agência Internacional de Energia Atômica, no entanto, chamou atenção para o seguinte: "Como resultado do bombeamento pesado, secamos os oásis em alguns lugares. Na Líbia, eles secaram o Lago Kufra". Ele contou que a National Geographic publicou, em 1920, uma foto do lago em um momento de cheia. "Agora ele é um leito seco, porque tem gente bombeando com muita força", disse ele.
E mesmo que o aquífero seja enorme, seu índice de reabastecimento, na melhor das hipóteses, "é medido em milímetros por ano", disse Aggarwal -- muito pequeno se comparado ao que é bombeado.
Além disso, segundo Sturchio, resta descobrir qual a melhor forma de extrair água: em outras palavras, "onde você coloca os poços, com qual profundidade, quão próximos uns dos outros".
"Se planejarmos tudo isso da maneira correta, podemos obter muito mais água sem problemas", continuou. "Mas se colocarmos todos os poços em um único ponto, podemos dar um tiro no próprio pé".
Ele prevê que gestores de recursos hídricos de todo o mundo venham a considerar o levantamento da equipe como sendo algo útil.
Além de serem aplicadas em outros aquíferos, em lugares como Filipinas e Austrália, as técnicas que envolvem o criptônio-81 estão sendo utilizadas como forma de rastrear soluções salinas em lugares como o sudeste do Novo México, onde resíduos radioativos provenientes de navios, submarinos e porta-aviões estão armazenados no subsolo .
Afinal, a gestão dos resíduos nucleares, assim como a gestão da água, é uma questão política.
"Há uma grande quantidade de variáveis que são levadas em conta ao se explorar um recurso", disse Aggarwal. "Na maioria dos casos, as decisões de se usar ou não se usar -- ou de quanto se deve usar -- são decisões sociais, políticas e econômicas".
Ainda assim, segundo ele, "quanto mais confiáveis forem os dados que pudermos fornecer para respaldar essas decisões, melhor -- o que queremos é obter as informações mais precisas possíveis".