A explosão vermelha - 7 de maio de 1986
O reator de uma usina nuclear soviética pega fogo, explode e joga na atmosfera nuvem radioativa que espalha o medo por toda a Europa
Na manhã de segunda-feira da semana passada, os engenheiros da usina nuclear de Forsmark, a mais moderna e segura da Suécia, não acreditavam no que viam. Uma inspeção de rotina nas roupas de seus 600 funcionários indicava a presença de níveis altos de radioatividade. Só lhes podia ocorrer uma explicação: havia um vazamento de elementos químicos radioativos em algum lugar da usina. Em poucas horas começou a funcionar a engrenagem da segurança atômica sueca. Removeram-se todos os funcionários de Forsmark e, em seguida, anunciou-se aos países vizinhos, que poderiam ser atingidos pelo efeito do temido vazamento, que algo andava errado na usina. Entre os países que receberam o aviso estava a União Soviética.
Ao longo de toda a segunda-feira os suecos procuraram em vão pelo vazamento de Forsmark, até que começaram a suspeitar de que, se algo acontecera errado, isso se dera em outro país. Voltaram aos russos e, em Moscou, o embaixador da Suécia indagou se não ocorrera algum vazamento numa usina soviética. Não, foi a resposta. Essa negativa manteve-se durante 6 horas, até que, à noite, quando uma nuvem de radioatividade já fora detectada também na Finlândia, Noruega e Dinamarca, o governo soviético admitiu: ocorrera um acidente num dos cinqüenta reatores em operação no país - o da usina de Chernobyl, nas vizinhanças de Kiev, a terceira maior cidade da URSS, a 1.100 quilômetros da Suécia. A partir daí a Europa começava a viver dias de medo ao mesmo tempo em que o mundo se dava conta, aos poucos, dos detalhes do maior acidente nuclear de todos os tempos.
Em poucos dias, a nuvem radioativa estendeu-se por toda a Europa Central, atingindo a Suíça, o norte da Itália e batendo, na sexta-feira, sobre uma parte da Inglaterra. Carregada de iodo, césio e estrôncio radioativos, ela cobriu uma distância de 3.100 quilômetros, atingindo doze países, numa área equivalente à que vai de São Paulo ao Ceará.
PIOR SUSPEITA - O alarme soado na manhã de terça-feira levou todos os países da Escandinávia a medir a radioatividade dos carros e trens vindos de áreas próximas da União Soviética, esvaziou as prateleiras das farmácias que vendiam tabletes de iodo - antídoto eficaz diante de doses pequenas de radioatividade - e fez com que nos demais países da Europa o item mais importante dos noticiários de previsão do tempo deixasse de ser a temperatura em si para ser a direção do vento, capaz de trazer ou afastar a nuvem.
Enquanto isso, o governo soviético reconhecia o desastre em pílulas. Lacônico até mesmo diante das perguntas da Agência Internacional de Energia Atômica, à qual está filiado, ele só admitiu na noite de segunda-feira um desastre que ocorrera três dias antes. Mesmo assim, era difícil saber o que sucedera em Chernobyl na noite de 25 de abril. Os canais de acesso à URSS se fecharam completamente. Os franceses, que têm um tratado de cooperação técnica na área nuclear com os soviéticos, nem sequer conseguiram falar com Moscou. "Foi impossível. As comunicações telefônicas com a União Soviética são muito difíceis e nós ficamos sem nenhum contato direto com eles", disse Jean Claude Koechin, diretor do Comissariado de Energia Nuclear da França. Só na terça-feira o governo alemão conseguiu captar uma nesga de informação dos russos. Funcionários da embaixada soviética em Bonn haviam feito consultas a técnicos alemães especializados em experiências com a extinção de incêndios em blocos de grafite. Essa providência confirmou a pior das suspeitas: não só ocorrera um vazamento num reator em Chernobyl, mas, com certeza, esse reator explodira. Fotografias de satélites confirmavam o mau agouro, pois podia-se ver, pelas imagens do Landsat, um engenho colocado no espaço por empresas americanas, que nos arredores de Kiev havia claras indicações de pelo menos um incêndio. "É evidentemente o pior acidente nuclear já ocorrido e até hoje, quarta-feira, ele parece estar fora de controle", queixava-se o porta-voz do Ministério da Pesquisa e Tecnologia da Alemanha Ocidental, Gerd Scharrenber.
Os soviéticos diziam precisamente o contrário. Desde o momento em que admitiram o desastre, fixaram-se na versão de que o problema fora controlado, com a perda de duas vidas e a existência de 197 feridos. "Esse número de dois mortos é ridículo", assegurava Kenneth Adelman, diretor da Agência Americana para o Desarmamento.
AJUDA ACEITA - Para os americanos e europeus, não se tratava de torcer para que o número de vítimas fosse maior, mas apenas de obter informações que permitissem ao resto do mundo saber o que aconteceu em Chernobyl, e foi isso que a União Soviética evitou contar. A televisão mostrou a usina com todo o lado esquerdo arruinado mas, em contraponto, na quinta-feira distribuíram-se fotografias das comemorações do 1º de Maio em Kiev, nas quais aparecem jovens sorridentes em roupas típicas. O chefe da equipe médica do Kremlin, Yevgeny Chazov, que no ano passado dividiu o Prêmio Nobel da Paz com o americano Bernard Lown, refugou uma oferta de ajuda de seu colega dizendo que "todos os problemas estão sendo satisfatoriamente resolvidos". As coisas não estavam tão boas assim e na quinta-feira o governo soviético, pela primeira vez desde o fim da II Guerra Mundial, aceitou a ajuda de um cientista do Ocidente para enfrentar um desastre, dando visto de entrada no país ao médico americano Robert Gale. Ele seguiria direto para Kiev, com a qualificação de presidente de uma associação internacional de especialistas em transplantes de medula óssea. A medula é precisamente a parte do corpo humano que mais sofre lesões ao ser submetida a níveis excessivos de radiação.
A explosão de um reator é a pior coisa que pode acontecer numa usina nuclear e sabe-se que isso ocorreu em Chernobyl, uma central que produzia cerca de um terço da energia de Itaipu. De seus quatro reatores , só um foi destruído, mas isso foi suficiente para que as autoridades soviéticas tivessem que estabelecer uma área de segurança de 30 quilômetros ao redor da usina. Calcula-se que nessa operação 25.000 pessoas tiveram de sair de suas casas. O único sinal de mudança na vida de Kiev durante o 1º de Maio era precisamente a ausência de transportes coletivos nas ruas da cidade, pois todos os veículos tiveram de ser mobilizados na transferência de moradores das zonas afetadas.
CEMITÉRIO ATÔMICO - Contrastando com a serenidade da burocracia russa - que na maioria dos casos é puro produto da ignorância em relação ao que está sucedendo em outras áreas da máquina do Estado -, ouviam-se sinais de desespero vindos de Kiev. "Você não pode imaginar o que está acontecendo aqui, com todas essas mortes e o fogo", disse um radioamador soviético a um colega japonês. "É um verdadeiro desastre. Milhares e milhares de pessoas estão fugindo. Eu estou a 30 quilômetros de distância da usina e não sei o que fazer", dizia o russo, que foi ouvido na Holanda pelo monitor de rádio Annis Kofman.
Chegou-se a falar em 10.000 mortos, o que ao final da semana parecia um exagero, mas, exceto o governo soviético, não houve no mundo quem acreditasse na versão das duas vítimas. Segundo um professor universitário francês que vive em Kiev, a explosão do reator matou 250 pessoas. Uma mulher ouvida pela agência de notícias americana UPI informou que "oitenta pessoas morreram na hora e mais de 2.000 nos hospitais". "As pessoas não foram enterradas em cemitérios comuns, mas na aldeia de Pirogovichi, onde existe um depósito de lixo atômico." A estimativa dos serviços de espionagem americanos também gira em tomo de 2.000 mortos, mas o governo soviético classifica todos esses cálculos como simples "boatos".
SEQÜÊNCIA DE DESASTRES - Num país onde todas as notícias são fiscalizadas por um departamento de censura que controla tudo, exceto as informações sobre assuntos atômicos, submetidas a uma outra tesoura específica e muito mais severa, tudo indica que é possível se saber o que aconteceu em Chernobyl. Não sairá de Moscou a profusão de detalhes que os americanos distribuíram em 1979, quando o reator de Three Mile Island sofreu um acidente que, por pouco, não chegou à extensão atingida agora na URSS.
De acordo com as fotografias de satélites e com as especificações que os russos divulgaram há alguns anos, quando tentavam vender reatores semelhantes na Europa, é possível se estabelecer com algum grau de precisão o que sucedeu em Chernobyl. A seqüência de desastres começou na noite do dia 25 de abril, quando teria ocorrido uma queda de tensão na rede de energia que alimenta a central. Essas quedas sempre podem acontecer e, pelo que se sabe, são freqüentes nessa região da União Soviética. Por alguma razão deixou de funcionar o equipamento alternativo que entra em ação logo que a tensão cai. Com menos energia que a necessária, o reator perdeu pelo menos uma das suas bombas de refrigeração. Esse é o terror de todas as centrais nucleares, pois esses grandes caixotes de concreto produzem energia a partir de um processo no qual o urânio, aquecido, faz ferver a água que corre numa tubulação, levando o vapor a mover as turbinas num prédio próximo e a gerar energia elétrica. Tanto a atividade térmica do urânio quanto o calor formado dentro do reator são controlados através de elementos denominados "moderadores" e pela circulação de água.
Para reduzir os riscos com o urânio, a maioria dos reatores ocidentais esfriados com água usa urânio altamente enriquecido, a taxas de 3,5%. Para economizar, os russos planejaram a usina de Chernobyl com reatores onde o urânio está enriquecido a 1,8% e é guardado dentro de blocos de grafite. A grafite é colocada em tomo do urânio para manter a eficiência da operação. Quando a refrigeração falhou, na noite do dia 25, era de se supor que entrasse em operação uma nova bomba, mas isso não aconteceu. Começava o pesadelo pelo qual os americanos passaram na usina de Three Mile Island. Iniciado o superaquecimento, resta pouco a fazer, além de torcer para que ele pare ou, caso continue, para que a carapaça de concreto que envolve o coração do reator agüente firme. Nos Estados Unidos o urânio esquentou a tal ponto que derreteu, provocando uma explosão que ficou contida pela muralha externa da central. Em Chernobyl faltava a muralha. "É inaceitável realizar um programa nuclear com padrões de segurança tão baixos", protesta Birgitta Dahl, ministra da Energia da Suécia.
O desastre da semana passada pode ter lançado a atenção do mundo para a taxa de risco que a engenharia nuclear soviética banca em suas obras, em nome da economia. "Na URSS, o sistema de contenção dos reatores é a imprensa", diz uma piada corrente entre os cientistas atômicos. O que parecia um simples lance de humor anticomunista acabou custando ao governo da Finlândia alguns milhões de dólares, pois, depois de comprarem um reator idêntico ao de Chernobyl, seus engenheiros descobriram que tinham de construir uma segunda estrutura de proteção. Aos finlandeses essa obra custou quase o mesmo preço da usina. Aos soviéticos, não a terem construído custou a catástrofe.
INCÊNDIO DEVASTADOR - Quando a temperatura subiu no núcleo do reator, a falta de proteção fez com que o caminho estivesse aberto para o pior. O urânio derreteu a grafite e, num processo químico, os átomos de hidrogênio e oxigênio da água das tubulações separaram-se. Livre, aquecido e irradiado, o hidrogênio explodiu e o oxigênio incendiou-se. A parede do reator foi pulverizada e a radioatividade do urânio começou sua viagem pela atmosfera, deixando no lugar onde estava o reator um devastador incêndio, alimentado por dezenas de toneladas de grafite derretida. Durante os primeiros dias da semana passada, a atividade de diplomatas russos em diversos países da Europa em busca de especialistas em combate a esse tipo de fogo demonstrava que, ao contrário do que diziam os porta-vozes em Moscou, ainda havia fogo na central. Os europeus só se convenceram de que o incêndio fora apagado quando viram na quinta-feira fotografias do satélite francês SPOT que indicavam o desaparecimento da mancha de calor nas vizinhanças de Kiev. As chamas só foram controladas depois que helicópteros lançaram areia impregnada de água e chumbo sobre a cratera aberta no lugar onde estava o reator. Mesmo assim, numa declaração surpreendente, o segundo-secretário da embaixada russa em Washington, Vitaly Churkin, reconheceu que "é evidente que o problema não foi resolvido e, teoricamente, representa uma ameaça para as pessoas na União Soviética, mas nós estamos tentando controlar a situação".
IODO CONTRA O PÂNICO - O desastre russo espalhou o medo pela Europa. "A metade da cidade saiu atrás de iodo", disse Peter Hostrup, gerente de uma das maiores farmácias de Copenhague, a capital da Dinamarca. A farmácia, que normalmente vende uma ou duas caixas de comprimidos de iodeto de potássio por ano, como descongestionante, viu seu estoque de três caixas se esgotar em poucas horas na segunda-feira passada. Os dinamarqueses recorriam assim a uma das poucas medidas preventivas corriqueiras contra os efeitos da radioatividade do iodo-131, um dos elementos liberados na atmosfera pela explosão, apesar das garantias das autoridades de que isso não era necessário. No dia seguinte, o governo da Polônia passou a recomendar que as crianças de menos de 16 anos fossem aos postos de saúde para receber uma solução de iodeto. A medida foi tomada primeiro em Bialystok, cidade de 250.000 habitantes perto da fronteira com a Ucrânia. Depois, a precaução se estendeu à região de Varsóvia, acompanhada da recomendação de que não se consumisse leite tirado de vacas que pastam em campo aberto e todos os legumes fossem cuidadosamente lavados.
Situada diretamente no caminho da nuvem vinda de Chernobyl, a Polônia registrou índices de radioatividade quinze vezes acima do normal e precisou recorrer discretamente à Suécia para obter informações que os soviéticos não davam. "Só ficamos sabendo tarde demais o que havia acontecido, e mesmo assim foi através dos escandinavos", reclamou um morador de Bialystok, onde os médicos trabalharam durante a noite toda para atender às filas de pais preocupados com os filhos. Apesar dos esforços do governo polonês para não soar um alarme alto demais, sinais de pânico incipiente foram notados até em repartições públicas como a sede do Ministério das Relações Exteriores, onde instruções mimeografadas orientavam os funcionários a manter as janelas fechadas, mesmo com o calor dos dias de primavera.
Suécia e Dinamarca proibiram a importação de alimentos do bloco soviético. Na Inglaterra, o governo desaconselhou as viagens à parte ocidental da URSS, determinou que os estoques de leite fossem submetidos a checagens diárias e todos os passageiros de aviões vindos de Moscou passaram a ser inspecionados no aeroporto de Heathrow. A Iugoslávia tomou providência semelhante, dirigindo os aviões procedentes de Moscou e de Varsóvia para pistas especiais de isolamento. "Todo cuidado é pouco", disse o ministro da Saúde da Áustria, Franz Kreuzer, ao explicar por que as autoridades recomendaram que as mulheres grávidas e crianças até 6 anos da região de Carinthia ficassem dentro de casa na quarta-feira passada, quando a nuvem se aproximou. O governo austríaco também tratou de retirar rapidamente dependentes dos trabalhadores austríacos que estão construindo uma siderúrgica a 150 quilômetros de Chernobyl. "Eu fiquei realmente assustada", disse uma mulher que chegou em Viena com o grupo de setenta pessoas levadas imediatamente para testes no Centro de Pesquisas Atômicas de Seibersdorf. "A gente não vê a radioatividade e os inimigos desconhecidos são os piores", acrescentou ela, resumindo a sensação de medo e impotência dos europeus diante de uma ameaça impalpável e silenciosa.
A MORTE EM POUCOS DIAS - Especialistas em irradiação afirmam que quem recebeu uma carga alta de radioatividade num raio de até 16 quilômetros pode morrer em questão de dias ou semanas. A irradiação não produz o efeito de uma bomba, como a de Hiroxima, que deixou corpos calcinados e sobreviventes desfigurados. A radioatividade penetra no organismo, por respiração ou ingestão, e atua nos vários órgãos conforme as propriedades de cada elemento presente. Uma conseqüência imediata a quem fica exposto em local próximo de um acidente desse tipo é a destruição do epitélio, membrana que reveste o intestino, contaminando todo o organismo.
Quem corre o risco de ser alcançado pela nuvem radioativa está sujeito a três ameaças principais: o iodo-131, o estrôncio-90 e o césio-137. O iodo-131 vai diretamente para a tireóide, provocando hipotireoidismo, necrose ou câncer, segundo o nível de contaminação. Mesmo uma pessoa que não tenha passado pela área contaminada pode ser alcançada pelo iodo-131: basta tomar o leite de uma vaca que se tenha alimentado num pasto atingido pelos resíduos radioativos. As pílulas de iodeto de potássio, ingeridas por dinamarqueses e poloneses na semana passada, só servem como antídoto se tomadas antes ou até as primeiras 12 horas após a exposição. Nesse caso, o iodeto é absorvido pela tireóide, não deixando espaço para o iodo radioativo.
O estrôncio-90 tem as mesmas propriedades químicas do cálcio. Assim, ao penetrar no organismo, comporta-se como o cálcio e se aloja nos ossos, onde pode provocar necrose ou câncer. A contaminação por estrôncio-90 é mais grave em crianças e adolescentes ainda em fase de crescimento, justamente porque os organismos jovens têm necessidade de absorver maiores quantidades de cálcio. O césio-137 se aloja nos músculos, causando distrofia, enrijecimento e perda dos movimentos normais. Nos pulmões, qualquer partícula de poeira radioativa, ao se instalar nos alvéolos, passa a irradiar lá dentro, com efeitos devastadores.
A contaminação radioativa também desencadeia casos de leucemia que podem demorar até 25 anos para se manifestar. Doses de radiação não letais provocam a leucopenia - diminuição dos glóbulos brancos - ou anemia - diminuição dos glóbulos vermelhos. Esse quadro de ameaças embutido na nuvem que circulava pelo continente ao sabor dos ventos alimenta a insegurança dos europeus, que receberam com desconfiança as garantias dadas por especialistas de que os níveis de radioatividade que chegaram até os países vizinhos da URSS precisariam ser de 2.000 a 3.000 vezes maiores para representar riscos imediatos à saúde.
RADIAÇÃO POLÍTICA - Os efeitos da radiação liberada pelo acidente de Chernobyl serão os mais devastadores da história da energia atômica para fins pacíficos. O professor Jens Scheer, titular de Física Nuclear da Universidade de Bremen, na Alemanha, acredita que só na Suécia 600 pessoas morrerão de câncer nos próximos anos por conta da explosão da semana passada. Se a conta de Scheer estiver certa, o número de russos mortos será pelo menos dez vezes maior, sem contar aqueles que foram hospitalizados nos dias seguintes ao desastre.
Chernobyl significou a explosão parcial do ambicioso programa nuclear soviético e o fim das esperanças de que os russos, num futuro próximo, consigam vender qualquer equipamento nuclear fora da Cortina de Ferro. Na sexta-feira passada, catorze usinas semelhantes à de Chernobyl já haviam sido desligadas por tempo indefinido. Alem disso, a radiação política do episódio contaminou própria credibilidade da URSS numa época em que ela se apresenta como uma potência desejosa de absorver hábitos mais modernos. Há poucos meses o mundo assistia com certo prazer ao desfile de Raisa, a mulher do secretário-geral Mikhail Gorbachev, pela loja de Pierre Cardin, em Paris. Na semana passada verificou-se que, se ela pode se dar essas liberdades, seu marido dirige um governo que procura esconder do mundo a explosão de um reator nuclear. Todos fariam melhor negócio se Raisa saísse de Moscou vestindo macacões e seu marido alterasse o comportamento tradicional do governo soviético, avisando os países vizinhos do desastre.
TEMÍVEL DIFERENÇA - No entanto, quando até o presidente americano, Ronald Reagan, foi bastante cauteloso ao tratar do desastre de seus arquiadversános, percebe-se que em Chernobyl acidentou-se mais uma vez a idéia da energia nuclear em si. Há países que não têm outra alternativa senão recorrer a esses reatores para manter seus parques industriais em funcionamento. Há 374 reatores trabalhando em todo o mundo e o número de acidentes é quase irrelevante, mas Chernobyl mostrou que os danos causados por desastres nucleares podem afetar a vida em países que nada têm a ver com os reatores em que surgem os problemas. Por coincidência, o país que mais cuida de sua segurança nuclear, a Suécia, foi afetado por uma catástrofe ocorrida no território daquele que parece operar com normas mais arriscadas, a União Soviética.
Na realidade, há uma diferença essencial e temível entre os reatores atômicos e todas as outras fontes de energia inventadas pelo homem. Tanto uma hidrelétrica quanto uma usina térmica operam em condições estáveis. Ou seja, a água retida por uma barragem não pode, em circunstância alguma, rompê-la, a menos que tenha ocorrido erro. Da mesma forma, uma vez construída uma termelétrica o seu calor interno jamais poderá queimar a couraça protetora. No caso dos reatores de grande potência, explica o Prêmio Nobel de Física Carlo Rubbia, há uma instabilidade intrínseca. Isto porque, mesmo contido por muralhas de concreto, o calor gerado pela enorme radioatividade pode derreter qualquer sistema de proteção caso não seja constantemente resfriado. Em Chernobyl o que enguiçou não foi o reator, foi a bomba de esfriamento. E o que aconteceu na usina soviética foi a potencialização de um risco que acompanha a humanidade desde 1942, quando Enrico Fermi, o físico italiano que é considerado o "pai da era atômica", percebeu que havia perdido controle da fissão nuclear no interior do primeiro reator experimental do mundo, em Chicago. Com um machado, Fermi cortou as cordas que sustentavam as barras de controle do reator e interrompeu o processo. Os técnicos encarregados de vigiar os sucessores do reator de Fermi têm mais ou menos uma missão semelhante - mas nem sempre cumprida com o mesmo sucesso.
Fonte: REVITA VEJA
Foto: Abandoned reactor at the Chernobyl Nuclear Power Plant, site of the 1986 meltdown, Chernobyl, Russia
Fotógrafo/artista: Altrendo Panoramic
Uma energia de grande risco...um mal desnecessário para a humanidade, podemos fazer uso de energias limpas e inteligentes (eólica, solar, térmica, das ondas e até a hidroelétrica)