- Não é insano pensar em um conflito armado por causa da água nos próximos 50 anos. Os palestinos em Gaza, por exemplo, não têm acesso à água segura. Eles dependem do abastecimento de Israel. As crianças naquela região estão bebendo água envenenada. Se isso levar a uma tensão política alvez então teremos uma guerra por causa de água, focada no sofrimento que ocorre hoje em dia - disse com exclusividade por telefone ao GLOBO ONLINE Aaaron Wolf, professor de geociências, com especialidade em administração de recursos de água, da Universidade do Oregon, nos EUA, e um dos maiores nomes da área no mundo.
Os problemas não se limitam a árabes e judeus. Segundo Wolf, há atualmente um grande problema em ex-repúblicas soviéticas no Cáucaso por causa da poluição de lagos e rios:
- Isso gera forte tensão sobre quem foi o responsável pelo problema e quem será o responsável por limpar. Também há crise quanto ao Mar de Aral, que está baixando de nível e em cuja região se discute o seu uso em uma só direção, a da exploração do gás natural. Rússia e China também vivem tensão por causa do Rio Obi. O mesmo se vê com o Rio Nilo, em uma rixa que envolve várias países.
Apesar de não descartar a idéia de um conflito armado, foi munido do otimismo de que uma guerra pode ser evitada que Wolf ajudou o Departamento de Estado americano a intervir nos conflitos envolvendo água entre árabes e israelenses. Hoje, diz ele, avanços significativos são observados no Rio Jordão, que é vital para a região desértica.
- Quando as pessoas pensam na escassez de água no planeta há que se considerar o aspecto físico e humano da crise, ou seja: pessoas sofrendo, morrendo, sendo degradadas. Isto é o que acontece agora e o que vai ficar pior no futuro. Não é o mesmo que o conflito político. Pessoas vão continuar a sofrer e a morrer. A qualidade da água vai piorar com o tempo. Acredito que temos que trabalhar mais duro sobre a questão do meio ambiente. Assim, não acredito na chegada da guerra - comentou o especialista, que morou durante oito anos no Oriente Médio, entre Israel, Jordânia e Egito. - Há uma ONG que põe judeus e árabes trabalhando juntos em defesa do Rio Jordão. Além disso, um projeto reúne israelenses, palestinos e jordanianos na tentativa de recuperação do Mar Morto, a fim de fazer com ele gere energia e forneça água para consumo - acrescentou.
Apesar do intenso confronto entre palestinos e israelenses, Wolf diz que houve muitos avanços na cooperação entre as duas partes. Segundo ele, a parceria é a chave para atenuar os problemas de uma região desértica e assolada pelo fantasma de um conflito generalizado:
- Quando estourou a última Intifada (revolta palestina contra a ocupação de seus territórios por Israel), autoridades palestinas e israelenses do setor de água emitiram uma declaração em conjunto em defesa da cooperação na infra-estrutura aqüífera. A cooperação sobreviveu bem a toda a Intifada, a toda a tensão. Mesmo agora, Gaza continua recebendo água de Israel como parte do acordo.
Os sucessos no campo diplomático, explica Wolf, não se limitam ao conflito árabe-israelense.
- A cooperação é mais forte mesmo em regiões onde existe pesado conflito político. Na disputa entre Índia e Paquistão, um tratado assinado nos anos 60 sobreviveu a duas guerras entre os países. No calor do conflito a Índia e o Paquistão respeitaram suas obrigações quanto à água. Defendo que a água induza a uma maior cooperação de modo que os países não precisem adotar a agressão. Mas, claro, é um assunto delicado - afirmou o especialista.
As tensões provocadas por disputa de reservas aqüíferas são muitas, mas, contou Wolf, a única guerra realmente ligada a uma questão envolvendo água ocorreu na região entre os rios Tigre e Eufrates (onda atualmente estão o Iraque e a Síria). E isso foi há mais de 4.500 anos, entre as cidades-estados de Lagash e Umma. Outros especialistas argumentam que a guerra dos Seis Dias, em 1967, e a invasão do Líbano pelas forças israelenses, em 1982, tiveram a água como importante fator. No conflito dos anos 60, um dos motivos da ação militar israelense seriam informações secretas que apontavam que a Síria planejava desviar o Rio Jordão.
- O problema dessas teorias é a falta de provas. Na verdade, uma possível guerra não é questão que mais me preocupa. Isso na verdade desvia a atenção daquilo com que deveríamos nos ocupar. De 3,5 milhões a 5 milhões de pessoas morrem todo ano no mundo porque não têm acesso a água potável. Com uma destruição dessas a cada ano por que deveríamos falar de guerra? Prefiro acreditar que há como evitar. E trabalhar. Precisamos fazer com que as pessoas tenham acesso à água, precisamos tirar pessoas da pobreza e ajudá-las a proteger o meio ambiente - defendeu Wolf.
Fonte: Globo Online - 22/03/2006 - Autor: Fernando Moreira