29 março 2008

QUE TIPO DE DESENVOLVIMENTO QUE SE QUER?


Estou postando para vocês, esta matéria de 26/09/2005, de autoria da bióloga e ecóloga, Débora Fernandes Calheiros, trata-se de matéria de alta relevância ambiental, muito interessante para a reflexão de cada um de nós, do que realmente queremos e desejamos para o nosso município, estado, país e planeta.


Minha avó sempre dizia, com base na sabedoria de quem já viveu tanto, que a gente deveria aprender mais com os erros dos outros, para tentar não cometê-los novamente... Além de pensar muito sobre os ensinamentos de minha avó, penso também sobre o que me fez vir morar aqui em Corumbá e Ladário (pois já tive a oportunidade de morar em ambas as cidades)...
Sou bióloga e ecóloga. Não sou ambientalista. Acho os ambientalistas muito importantes, pois questionam os rumos da destruição ambiental que temos tomado com pouquíssimo retorno social, tanto é que somos consideradas uma das nações mais desiguais do planeta... Ao contrário, sou profissional da área de ecologia, não sou apenas uma pessoa que se interessa pela causa ambiental, ou de qualidade de vida, eu a estudo há mais de 25 anos. Não faço “achismos”, como muitos dizem, uma vez que sou pesquisadora da área ambiental, tendo base para opinar, para emitir pareceres técnicos sobre questões ambientais e de saúde. Estudei poluição do ar e a relação com doenças, em especial doenças respiratórias, no Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), no grupo de um dos médicos mais respeitados tanto nacional como internacionalmente nesta área, Professor Dr. Paulo H. N. Saldiva. Desde 1986, estudo também a qualidade da água de rios, represas e baías tentando, com minha pesquisa, ajudar a conservar a qualidade dos rios e aqui, nos rios do Pantanal, a manter a saúde dessas fontes de água para que possam conservar também a riqueza de peixes que temos.

Tenho pensado muito em tudo isso ao ver, ouvir e ler o que os políticos municipais, estaduais e do governo federal, e alguns cidadãos de Corumbá e Ladário estão apontando como a ÚNICA solução para o desenvolvimento da região: a industrialização, com base indústrias altamente poluidoras e na energia proveniente da queima do gás boliviano por termelétricas...
Bem, decidi vir para o Pantanal há 16 anos para estudar rios limpos, conservados, onde ainda se pudesse entender com um rio natural funciona, como mantém tanta quantidade e tantas espécies de peixes, aves e répteis... tanta vida. Queria trabalhar em ambientes saudáveis onde ainda fosse possível evitar/minimizar a degradação, onde valesse a pena ser ecóloga. Vim também em busca de qualidade de vida. Em São Paulo (SP), onde nasci, só estudava poluição, tanto do ar, como comentei acima, como também aquática... Ou seja, estudava a destruição, e como tentar recuperar os erros cometidos...

Para os muitos que não conhecem lugares poluídos, pois nunca tiveram a oportunidade de viajar para São Paulo, para o Rio de Janeiro ou outras cidades poluídas como Victória (ES), Camaçari (BA), Paulínia ou Cubatão (SP), mas ao menos devem ter visto pela televisão, posso afirmar que o cenário é lamentável... O ar poluído de São Paulo, segundo estudos do Dr. Saldiva, causa mortes (10 por dia!!!), mortes estas provocadas por ataques do coração (infarto agudo do miocárdio e descompensação cardíaca...), enfisemas, envelhecimento precoce do pulmão, pneumonias, alergias, bronquites, câncer de pulmão, etc. que têm como causa primária a poluição do ar por óxidos de nitrogênio e ozônio. A água dos rios também está poluída, em maior ou menor grau, com perda quase total dos diferentes tipos de espécies de peixes, por exemplo, e da grande quantidade deles que havia no passado. Por isso vem tanto pescador e turista pra cá, para sentir, ver, tocar, as maravilhas do Pantanal.

Em Corumbá-Ladário os níveis de ozônio já são altos (70-60 ppb, medidos durante o dia, no último dia 22/agosto, por instrumento instalado na UFMS-CEUC) apenas com o problema das queimadas, sendo o nível máximo igual a 80 ppb, segundo a Organização Mundial de Saúde. Estes são os mesmos gases, além de outros, que serão emitidos pela termoelétrica e podemos imaginar os níveis que teremos se esta for instalada na área urbana como previsto... Por outro lado, o gás boliviano é naturalmente contaminado por mercúrio, embora este fato seja propositalmente e irresponsavelmente omitido nos debates. Por ser um metal pesado, o mercúrio é acumulado no organismo mesmo em baixas concentrações, portanto, sem dose de segurança, provocando lesões no sistema nervoso central (deficiência cognitiva, ou seja, deficiência na inteligência), lesões renais e em outros órgãos e diminuição da fertilidade masculina. Cabe lembrar que há uma diferença na susceptibilidade ou sensibilidade das pessoas à contaminação por compostos tóxicos: umas reagem negativamente mais do que outras (por exemplo, pessoas que têm alergias por causas diferentes). Desta forma, a população em geral, e em especial as pessoas mais suscetíveis (como crianças e idosos) perdem qualidade de vida (ficam mais vezes doentes) e expectativa de vida (podem morrer prematuramente).

Minha avó também dizia, que o que se leva anos para construir (a natureza levou milhões de anos), pode-se destruir em muito menos tempo e se gasta muito mais tempo ainda e muito, muito dinheiro para recuperar... Quanto vocês acham que se deve gastar para recuperar o rio Taquari? Ou o ar de São Paulo? Quanto para se recuperar a qualidade da água do rio Piracicaba? No mínimo alguns bilhões de Reais e ainda, em pleno Séc. XXI, nem sequer começaram a se efetivar realmente ações de recuperação...

Ah o rio Piracicaba... aquele que todos conhecem pela canção... não tem mais vida, devido a esgotos domésticos e industriais; estes últimos provenientes dos mesmos tipos de indústrias, que querem instalar aqui (siderúrgicas = ferro-liga, ferro-esponja e petroquímicas ou gás-químicas = fertilizantes e plásticos) chamadas de indústrias pesadas por serem altamente poluidoras. A poluição do rio Piracicaba vem das cidades industriais da região (Sumaré, Americana, Paulínia, Campinas, Piracicaba...). Hoje, em São Paulo, no estado mais desenvolvido do país, onde as leis são bem mais rigorosas, tais indústrias continuam a poluir e a poluir muito...
Quem acha que aqui vai ser diferente?? Quem acha que aqui vão instalar o que há de mais caro e melhor em termos tecnológicos para preservar nossa qualidade de vida, nossa qualidade de ar e da água?? Quem acha que na Suíça, no Japão, na Coréia ou mesmo nos EUA as indústrias não poluem?? Só quem é ingênuo ou não conhece ou não lê sobre as questões ambientais desses países... Só quem não percebe o que está por trás de tudo isso ou aqueles que, de alguma forma, vão se beneficiar e muito desses empreendimentos e estão agindo por má fé... Uns poucos vão ganhar muito dinheiro enquanto muitos, a maioria, vão ficar com os empregos de nível técnico/médio para baixo, com os salários menores, como vemos em outras regiões industrializadas deste país... Perderemos nossa qualidade de vida, mas estaremos empregados, é o que muito pensam...

Nossa região faz parte de um dos ambientes mais conservados do mundo, o Pantanal. Somos considerados Patrimônio Nacional pela Constituição Federal de 1988, Patrimônio da Humanidade e Reserva da Biosfera (UNESCO 2000), ou seja, temos importância para nós, para o restante dos brasileiros e para toda humanidade, para todo o Planeta Terra!!! É bom lembrar também, que 60% dos ambientes naturais mundiais estão ameaçados... Será que não poderíamos tratar a nossa região, a nossa casa, de modo diferente, com mais cuidado, com mais carinho, com mais respeito?? Sabemos e sentimos que o Pantanal é uma dádiva divina, uma maravilha. Mas se nós que nascemos e moramos aqui não cuidarmos dele, quem o fará? Não existiriam outras formas de desenvolvimento que se poderia implantar em uma região de tal importância??

Precisamos de emprego, precisamos aumentar a renda da população de Corumbá e Ladário, isso é inquestionável!!! Mas precisamos optar por uma forma de desenvolvimento tão ameaçadora e degradante em termos ambientais e de qualidade de vida para a população, como a opção de industrialização?? Igual a feita no século passado, nos anos 50-70, no interior de São Paulo, como exemplo?? Qual cidade industrial não tem concentração de renda? Ou melhor, qual cidade industrial tem distribuição de renda?...

O ser humano é bastante criativo, nós brasileiros ainda mais, e podemos propor, planejar e implantar várias outras formas de desenvolvimento, considerado como realmente sustentável em nossa região, é só querermos!!

Para quem não sabe, desenvolvimento sustentável não é apenas crescimento econômico... Desenvolvimento sustentável tem que ter três premissas básicas, desenvolvimento econômico atrelado a desenvolvimento social (distribuição e geração de renda) em conjunto com conservação ambiental. Tudo isso junto!! Esse conceito foi atingido pelo saber de toda humanidade depois de tantos erros... Este conceito também é baseado na necessidade de se garantir qualidade de vida e pleno acesso aos recursos naturais também para as gerações futuras. A idéia de desenvolvimento sustentável surgiu, mais formalmente, em 1992 na reunião mundial chamada RIO 92, na qual o Brasil assinou vários acordos no compromisso de buscar este tipo de desenvolvimento diferenciado. Um dos acordos, chamado Agenda 21 (uma agenda de compromissos assinada pelos diversos países para garantir a vida no planeta no século XXI!!), afirma que a sociedade tem direito a plena informação e à plena participação no processo decisório sobre o tipo de desenvolvimento que quer em sua região. Ou seja, nós temos o poder de decisão em nossas mãos!!

Com base no conceito de desenvolvimento sustentável, eu, uma profissional da área de ecologia e que já estudou a relação entre poluição e doenças, posso afirmar categoricamente que industrialização, baseada em indústrias pesadas, altamente poluidoras, não é exemplo de desenvolvimento sustentável...

Como pesquisadora, meu papel é informar a sociedade. Por meio de um parecer técnico, assinado por mim e por mais seis técnicos em relação à localização da termoelétrica, tanto pela poluição do ar quanto pelo risco de explosão em área urbana. Na verdade, pedimos simplesmente mais cuidado!! Pedimos ao IBAMA e ao Ministério Público, junto à Promotoria de Meio Ambiente, que estudos prévios, sérios, feitos por pesquisadores idôneos, sejam realizados para se determinar os níveis de poluição já existentes, inclusive nesta época de queimadas em que o ar fica bem pior, e a relação com as doenças que já ocorrem na população. Isto é errado?? Pedimos ainda a mudança da localização do projeto da termoelétrica, devido aos riscos à saúde e à segurança da população... Isto é errado também??

Mas quais seriam, então, as opções de desenvolvimento??? Vocês devem estar se perguntando... Já que o Pantanal, ao meu ver, mereceria um tratamento diferenciado, sugerimos que a energia gerada (cerca de 5.000 MW) na divisa com São Paulo, proveniente de várias hidroelétricas já instaladas, deveria vir para cá, sim. Por meio da modernização das linhas de transmissão. É caro? É. Mas nossa saúde e a saúde do Pantanal também é cara. Por que o estado de Mato Grosso do Sul deixa a maior parte desta energia (em torno de 90%!!!) ir toda para o estado vizinho, inclusive a da termoelétrica de Três Lagoas??

E o que vocês acham do governo incentivar a vinda para cá de indústrias não poluidoras?? Não seria melhor para nossa saúde e para a saúde do Pantanal?? O turismo, que é considerado uma forma de indústria, se bem planejado e bem organizado, é uma das vocações naturais e históricas de nossas cidades e é considerada uma das atividades que mais gera emprego e renda, em todos os níveis de escolaridade, além de ser capaz de conservar o meio ambiente, segundo o Banco Mundial. Por que Bonito conseguiu?? Quem faria turismo numa Corumbá industrial?? Quem faz turismo em Paulínia (SP)?? Por que não pensar em trazer indústrias NÃO poluidoras, como as de montagem de eletro-eletrônicos iguais as da Zona Franca de Manaus, ou voltar a termos o moinho de farinha, a cervejaria, a fábrica de tecidos... São muitas as opções...

Voltando aos conselhos de minha avó, só posso pedir aos que me lêem: vamos aprender com os erros dos outros, vamos cuidar bem do nosso Pantanal, vamos tentar desenvolver a região, criando emprego e renda tão necessários à população, mas que ao mesmo tempo garanta a qualidade de vida para toda a sociedade, que garanta que quando faltar o emprego, quando faltar o pão, teremos ainda a opção de ir ao rio Paraguai pescar nosso alimento. Teremos ainda o direito a respirar um ar saudável, sem riscos de ficar doente a qualquer momento.

Pense nisso e nos ajude na discussão. O debate democrático deve ocorrer. A sociedade tem o direito de ser informada sobre todas as visões, todos os lados da questão, e não apenas um dos lados, sendo sim desinformada... A quem interessaria este tipo de “desenvolvimento”?

Nós é que devemos escolher o que queremos para nossa região!!

Vamos aproveitar a discussão atual sobre o Plano Diretor de Corumbá e Ladário para debatermos e fazermos nossa escolha. Vamos participar das reuniões e questionar sobre a real necessidade de instalação de empreendimentos poluidores na área urbana (além dos que já existem como a fábrica de cimento e a siderúrgica) e quem sabe, sonhando alto, e questionar que indústrias poluidoras se instalem em nossos municípios, protegendo o Pantanal e nossa saúde!! Vamos sonhar alto como sonharam aqueles que impediram a instalação de Usinas de Álcool nos municípios da borda do Pantanal nos anos 80 por meio de uma lei, lei esta que agora esses mesmos políticos por interesses próprios e de seus parceiros querem derrubar....
Bem, para terminar, desculpando por ter me alongado tanto, digo que se depois da realização de amplo debate, sem ingerências políticas e econômicas, a escolha de nossa sociedade for por esse tipo de geração de empregos, por este tipo de industrialização, eu, humildemente aceitarei e procurarei outro lugar saudável para estudar, trabalhar e viver. Contudo, terei a cabeça erguida, pois terei feito o meu papel, terei ao menos tentado. Foi para isso que escolhi minha profissão.
*Débora Fernandes Calheiros é bióloga, trabalhou no Laboratório de Poluição Atmosférica Experimental da Faculdade de Medicina da USP; Mestre em Engenharia Civil na área de Hidráulica e Saneamento pela Escola de Engenharia de São Carlos (EESC-USP) e doutora em Ciências na área de Ecologia de rios e planícies de Inundação no Pantanal pelo Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA-USP) e realiza pesquisas no Pantanal há 15 anos. E-mail: calheirosdebora@yahoo.com.br

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