Foto: Nuvem de fumaça sobre vilarejo no sul do Pará: milhares de árvores devoradas pelo fogo em poucas horas
AMAZÔNIA - FOGO, DESTRUIÇÃO E MORTE
20/08/1997 - Numa tragédia ecológica que se repete todo ano, a Amazônia está queimando outra vez
20/08/1997 - Numa tragédia ecológica que se repete todo ano, a Amazônia está queimando outra vez
Até hoje, a estória se repete....14/05/2008.
Por Pedro Martinelli, de Eldorado dos Carajás
A Amazônia está queimando de novo. No dia 31 de julho, uma imagem do satélite americano NOAA-14 sobre o município mato-grossense de Alta Floresta registrou queimadas numa extensão de 150 quilômetros entre os rios Teles Pires e Juruena. É apenas um entre milhares de focos de incêndio na região. Na semana passada, o Aeroporto de Rio Branco, no Acre, fechou duas vezes em virtude da falta de visibilidade pelo excesso de fumaça. Há três meses não chove na maior parte da Amazônia. A seca faz com que o fogo se propague mais rapidamente. "Os focos de queimada já atingem 25% de todas as áreas habitadas da Amazônia", afirma Alberto Setzer, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, Inpe. Todos os dias, o Inpe envia imagens de satélite com informações atualizadas sobre as queimadas para três diferentes órgãos governamentais na Amazônia: o Ibama, do governo federal, e as secretarias do Meio Ambiente dos Estados de Rondônia e Pará. Teoricamente, todos eles teriam condições de acionar seus fiscais para punir os responsáveis pelos incêndios. Na prática, ninguém faz nada. "Tenho dois fiscais para cuidar de 1,5 milhão de hectares", justifica-se Enio Figueiredo, chefe da fiscalização do Ibama em Alta Floresta. Na semana passada, o fotógrafo Pedro Martinelli chegou do sul do Pará, onde fez as fotos que ilustram esta reportagem. O seu depoimento:
Se eu fosse o presidente da República, convocaria os ministros para uma visita de emergência, e de surpresa, ao sul do Pará. De seu gabinete, ele está a apenas uma hora e meia do inferno. É o mesmo tempo de viagem que gasta quando vai ao oculista, em São Paulo. O presidente verá coisas de arrepiar. Banditismo, desmatamento, conflitos entre sem-terras e latifundiários, contrabando, desmando, corrupção está tudo lá. Está lá, agora, o fogo, o fogo dos infernos, destruindo uma região de beleza sem igual.
A degradação humana nas bordas da floresta só não é maior que a ambiental. Sem tratores ou arados, posseiros miseráveis usam o fogo para cultivar lavouras das quais mal retiram a própria subsistência. Enquanto isso, garimpeiros embrenham-se na selva em busca de minas de ouro que não existem. Para caçar, também colocam fogo na mata. É uma forma de obrigar os animais a sair de suas tocas. O fogo queima de um lado e os garimpeiros esperam do outro, de espingarda em punho. A fumaça das queimadas encobre o sol em pleno dia.
Garimpeiros e o rastro de destruição na floresta depois da queimada: numa fronteira sem lei, a omissão e a corrupção dos órgãos do governo estimulam a degradação ambiental
Vinte anos atrás, quando a Companhia Vale do Rio Doce chegou à Serra dos Carajás, toda aquela região era uma imensa e intocada floresta. Hoje, resta uma ilha verde sitiada por uma paisagem lunar. Há duas semanas, numa única noite, 4.000 castanheiras foram devoradas pelo fogo na fazenda de um município vizinho. A castanheira, da qual se tira a castanha-do-pará, é protegida por lei. É proibido derrubá-la ou queimá-la, mas todo ano milhões delas são transformadas em pranchas e tábuas nas serrarias. Ninguém fiscaliza. As toras de madeira circulam livremente porque os madeireiros subornam funcionários do Ibama, guardas-florestais e patrulheiros rodoviários. Nessa fronteira sem lei, a corrupção está em todos os cantos, corroendo as pessoas que até pouco tempo atrás eram honestas. O funcionário ou o policial que recusar a propina pode aparecer morto no dia seguinte. Em vez de correr o risco decorrente da honestidade, é mais fácil se adaptar à cadeia de desmandos e corrupção.
As queimadas da Amazônia são feitas por dois motivos. O primeiro, mais comum, é limpar terra para cultivar lavouras ou pastagens. Pela lei, para fazer isso o agricultor precisa de licença do Ibama. A autorização para cada hectare queimado custa 3 reais. Neste ano foi autorizada a queimada de 10.000 hectares na Amazônia mas esse é um número de ficção. Na prática, a área queimada é horrendamente maior. Uma segunda razão é o desmatamento em áreas de floresta nativa. Isso é proibido mas, também nesse caso, ninguém fiscaliza. A expansão da fronteira agrícola, em decorrência do Plano Real, acelerou o ritmo de destruição da Amazônia. O resultado é uma tragédia ecológica da qual os brasileiros que vivem nos grandes centros urbanos não se dão conta.
Está na hora de dar um basta nesse crime. Todo ano é a mesma coisa. As fotos das queimadas na Amazônia chocam o mundo, os ecologistas criticam, o governo se defende alegando que não tem recursos nem estrutura para combater o fogo. Enquanto isso, milhões de árvores são destruídas e as ilusões se espalham. Espalhou-se, por exemplo, a ilusão de que nos últimos anos as queimadas diminuíram. Não é verdade. O que houve foi apenas a mudança do satélite que mede os focos de incêndio. Antes, usava-se um satélite que colhia imagens diurnas. É durante o dia que ocorre a maioria das queimadas. Agora, utiliza-se um satélite que faz imagens à noite, quando quem põe fogo na mata está dormindo. Só por isso o número de queimadas diminuiu.
A sociedade brasileira deve exigir do governo um tratamento de emergência para as queimadas na Amazônia. Agora, nesse minuto, enquanto você lê este parágrafo, o fogo já avançou 1 metro dentro da mata e queimou dez árvores. No minuto seguinte serão mais dez. É preciso fazer alguma coisa já.
O que o presidente poderia fazer pela Amazônia? Muito. Um esforço concentrado no período da seca, entre os meses de julho e novembro, quando ocorrem as queimadas, faria com que as fogueiras diminuíssem bastante. Poderia ser usado o Exército, que fica brincando de escoteiro na região enquanto o fogo sobe. O Exército tem meios e conhece a floresta. Mas, antes de mais nada, o presidente poderia ajudar a Amazônia saindo do seu gabinete. Deixando de lado, por um momento, os especialistas e seus doutos estudos. Precisaria ir lá. Ir lá de surpresa. Ver o que está acontecendo. Ver e se comover com a destruição. E mobilizar os brasileiros para impedir que o fogo destrua aquela nossa rica beleza.
Fotos: Pedro Martinelli
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