"Neutralizar o carbono é positivo, mas não resolve o problema"
Especialista nas áreas de sustentabilidade, finanças e economia do meio ambiente, Mario Monzoni é coordenador do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGVces). Sob seu guarda- chuva estão os setores de comunicação, pesquisa e capacitação do GVces, que cobrem finanças e empreendedorismo sustentável, cadeias de valor, consumo sustentável e mudanças climáticas. Em 2004, Monzoni assumiu também a tarefa de desenvolver a metodologia e o questionário do Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE) da Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), iniciativa pioneira na América Latina, que proporciona um ambiente de investimento compatível com as demandas do desenvolvimento sustentável.
Doutor em administração pública e governo pela FGV-EAESP, mestre em administração de política econômica pela School of International and Public Affairs da Universidade da Columbia e em finanças públicas pela FGV-EAESP, Monzoni tem uma carreira como poucos na área. Foi coordenador do Projeto Eco-Finanças, da ONG Amigos da Terra, treinou mais de 20 instituições financeiras sobre riscos e oportunidades ambientais, desenvolveu e aplicou treinamento para mais de 1.200 gerentes do Banco Real ABN Amro e teve passagem pelo Departamento de Pesquisa do Banco Mundial. Hoje é também membro do Conselho Consultivo do Fundo Ethical, do Banco Real ABN Amro, primeiro fundo SRI (Investimento Socialmente Responsável) no mundo em desenvolvimento.Nesta entrevista, Mario Monzoni mostra por que a neutralização de carbono não é a medida mais efetiva contra o aquecimento global e fala das alternativas energéticas e dos novos negócios em sustentabilidade.
Instituto Ethos: Como o senhor vê as iniciativas de neutralização de carbono que viraram febre nos últimos meses?
Mario Monzoni: De fato, podemos observar diversas iniciativas no sentido de neutralizar emissões de CO2, como a das agências de eventos e viagens. Essa atitude é muito positiva, mas não resolve o problema. Ela não cria incentivos em longo prazo de maneira eficaz. O que resolve o problema é deixar de emitir CO2. Claro que é uma iniciativa importante, não quero discriminar. Tem muita gente trabalhando em cima disso, é uma maneira de trazer o tema para o debate. Mas, se a gente quisesse neutralizar todas as emissões de gás do planeta, não existiria espaço para plantar tanta árvore. Além disso, essa iniciativa não promove a mudança de matriz energética. O raciocínio é “eu emito o gás e, no fim do dia, eu neutralizo”. É como se a gente estivesse tomando um remédio para dor de cabeça, mas não combatesse a causa, que, nesse caso, é a mudança de padrão de produção e consumo. É um grande impasse, porque três quartos da emissão de CO2 no planeta vêm da queima de combustíveis fósseis e um quarto, do desmatamento. É aí que temos de resolver a questão. É preciso buscar alternativas energéticas, novos combustíveis e novos modos de transporte para que a gente não emita gases de efeito estufa.
IE: Alguma iniciativa desse tipo já está sendo tomada?
MM: Sim. O protocolo de Kyoto traz os mecanismos de flexibilização que estão começando a operar. Mercados de carbono têm sido criados no mundo inteiro, de forma voluntária ou não. Os incentivos em longo prazo são mais eficazes, pois penalizam a empresa por meio da taxação ou pela compra de permissão para poluir. Então fica caro poluir. A neutralização não passa por aí. Ela simplesmente tenta fazer um cálculo de quanto CO2 se emite numa certa atividade e tenta seqüestrar o que foi emitido por meio da plantação de árvores. Mas é um seqüestro que ninguém garante que seja permanente. Grande parte das plantações morre no meio do caminho e os cálculos muitas vezes não levam isso em conta. Num longo prazo, essas novas árvores vão virar fumaça também. Não quero ser excessivamente crítico, porque a neutralização é sadia, e tem muita gente competente trabalhando com isso. Alguns projetos buscam recuperar áreas degradadas com espécies nativas, o que tem sido muito importante. Mas o problema não está sendo atacado de maneira correta.
IE: O que de fato seria efetivo para a redução do CO2?
MM: Temos de sair dos combustíveis fósseis e da fonte de carvão. Aqui no Brasil a discussão de usar novamente o carvão foi retomada, o que eu considero uma grande loucura em termos ambientais. O correto, no entanto, seria apostar nos combustíveis renováveis e alternativos. É um caminho longo. Não podemos esperar que amanhã todo mundo esteja usando energia do sol e do vento, por exemplo. Acredito que o gás natural, que já pode ser encontrado no mercado, seja um combustível de transição. Há alguns anos, a gente não imaginava que isso seria possível. Em termos de emissão, esse tipo de energia é melhor do que a do petróleo e a do carvão. A Inglaterra conseguiu reduzir suas emissões de CO2 substituindo o carvão pelo gás natural. Nessa discussão entra também a questão atômica e o uso de energia nuclear, que, apesar de ser amigável do ponto de vista climático, é problemático em relação a resíduo, disposição e transporte. O próprio custo econômico para produção de energia atômica é muito alto. Mas esse debate vai aparecer. Quando falarmos do uso de carvão, petróleo ou gás natural, vamos esbarrar novamente nessa questão. Uma outra fonte de energia possível é o vento. O governo alemão tem investido muito em energia eólica.
IE: E como está o Brasil em relação a esse tipo de energia?
MM: O Brasil tem um enorme potencial de produção de energia por meio do vento. Temos cerca de 20 mil ou 30 mil megawatts de potencial eólico que é muito pouco explorado. Por isso, o vento deve ser uma das alternativas. Também podemos falar da energia solar e dos novos combustíveis. Há diversas vantagens do uso do etanol na área de transporte, como o ciclo de carbono mais limpo. Teoricamente o álcool é neutro, porque a plantação de cana seqüestra o CO2 emitido no processo de produção de energia. O etanol é sem dúvida um grande elemento nessa discussão. E tem o hidrogênio, que não é tão eficaz porque sua produção demanda muita energia. Além disso, é preciso estimular as pessoas a usar novos meios de transporte. E aí a gente esbarra na questão do desenvolvimento. Se nosso serviço de transporte é precário, não incentivamos a população a usar transporte público. A emissão de CO2 de cada indivíduo dentro de um ônibus é muito menor do que o daquele que está dentro de um carro. Teríamos de levar em conta esse tipo de coisa.
IE: As empresas já estão buscando essa mudança de matriz energética?
MM: Nas discussões sobre o Índice de Sustentabilidade Empresarial (ISE), fico espantado com essa questão, principalmente em relação à indústria de petróleo. O argumento usado hoje em dia é o de que existe um grande compromisso das empresas com a meta de redução de CO2 durante o processo de produção. Mas, na verdade, isso não é efetivo. Não interessa o que uma empresa petrolífera gasta em termos de processo, se o que ela produz é combustível fóssil. Ainda não vimos empresas investindo em tecnologia, pesquisa e desenvolvimento para novas fontes de energia como deveria acontecer. Mesmo os investimentos projetados para os próximos dez anos dos benchmarks mundiais não chegam a 5% nessa área. Então parece que as indústrias ainda não se deram conta do tamanho do problema. A era do petróleo não vai acabar por falta de petróleo. Vai acabar porque usá-lo será insano. Queimar petróleo vai ser crime hediondo. Pode parecer ridículo agora, mas daqui a vinte anos a gente pode ter outra conversa e ver como ficou essa questão.
IE: É nesse sentido que surgem os novos serviços ambientais?
MM: Kyoto e os mecanismos de crédito de carbono foram inspirados no mercado de chuvas ácidas americano. Para resolver o problema, foi criado nos anos 1990 um mercado de regulamentação baseada em instrumentos econômicos que teve um impacto positivo muito grande. A partir disso, as pessoas tinham de comprar permissões para poluir. Kyoto traz exatamente o mesmo mecanismo. Pela primeira vez em nível global, começa-se a criar mecanismos financeiros para resolver problemas ambientais. Então surge a discussão: podemos usar instrumentos financeiros que tenham impacto na área de florestas? O indivíduo que mantém suas florestas em pé presta um serviço ambiental para o planeta, na medida em que elas estocam e fazem seqüestro líquido de carbono. Além disso, as florestas protegem os recursos hídricos e são reservatórios de biodiversidade. Por isso, em vez de se pensar num código florestal que obrigue a pessoa a manter intactos 80% de sua propriedade, ou comprar áreas preservadas para manter a reserva, a gente começa a pensar em instrumentos econômicos de mercado que seguem o modelo do Protocolo de Kyoto.
Por que não criarmos um mecanismo que remunere aqueles que mantêm suas florestas?
Essas pessoas prestam um serviço global para a sociedade e para a biodiversidade. As florestas também têm relação direta com os recursos hídricos usados pelas hidroelétricas, para recreação e transporte. Ou seja, toda a população se beneficia disso. Os mercados ambientais criam uma alternativa econômica ao desmatamento. Não é a Constituição que vai impedir que um fazendeiro venda sua madeira. Mas, se todo mês alguém aparecer com um cheque porque ele não cortou suas árvores, acho que ele vai pensar duas vezes antes de optar pelo desmatamento. Estamos mudando a matriz de incentivos dos agentes econômicos.
IE: Já é possível citar casos de boas práticas?
MM: A América Latina tem experiências muito ricas em serviços ambientais. A Costa Rica é um grande exemplo em que o Estado atua como intermediário. Por meio de um sistema de arrecadação nos postos de gasolina e nas empresas hidrelétricas, criou-se um fundo para pagamento de serviços ambientais. O país já recuperou quase metade de sua área com esse mecanismo. Na América Latina você também tem exemplos nos quais, em lugar do Estado, quem participa é uma hidrelétrica. Essa empresa sabe que é importante para o seu negócio manter a qualidade e a quantidade da água da região. Por isso, remunera a comunidade do entorno para manter a floresta local. Se a região for devastada, a atividade da hidrelétrica será comprometida. A tendência é juntar todos os serviços num só pacote. Em vez de termos um mercado de carbono, outro de água, outro de florestas, outro de biodiversidade, o usuário pagaria por uma coisa só, já que tudo está correlacionado. Temos conversado com o governo do Estado de São Paulo e levado a idéia de se criar um fundo de pagamento de serviços ambientais, que poderia ser repassado tanto para o Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF ? Global Environment Facility) quanto para os agricultores que apresentassem boas práticas etc. A sociedade é a última beneficiária e paga para aquele prestador de serviço.
IE: E quanto ao financiamento de novos negócios sustentáveis, os chamados new ventures? De que forma funcionam?
MM: Os new ventures são uma coisa mais ampla, porque não tratam só da questão florestal. É um programa desenvolvido pelo World Resources Institute (WRI), ONG norte-americana cujo objetivo é promover e apoiar pequenos e médios negócios com forte caráter sustentável. São pequenos negócios em áreas diversas como energia renovável, ecoturismo, eficiência energética, biodiversidade, novos materiais, que tenham soluções inovadoras para o uso de recursos naturais ou que envolvam a comunidade no negócio. Esses projetos são escolhidos e analisados por uma equipe que vem de Washington. Os escolhidos ganham consultoria para melhorar ainda mais o negócio e depois participam de um fórum de investidores. O Brasil foi uma das regiões escolhidas pelo WRI para new ventures e o GVces foi procurado para hospedar e executar o programa aqui. Temos recebido cerca de 30 projetos por ano. A idéia é ver se há casamento ou não entre novos negócios sustentáveis e investidores. A nossa parte é tocar o violino e fazer uma festa agradável para o pessoal se encontrar. E temos observado que os noivos têm sido muito conservadores, principalmente porque a gente vive num país onde emprestar dinheiro para o governo e não fazer nada é uma coisa muito boa do ponto de vista econômico-financeiro. Você ganha sem se arriscar, então por que o investidor iria optar por negócios sustentáveis? E nós estamos falando de uma indústria que ainda está no começo. Há projetos muito interessantes, de cosméticos sustentáveis, de instrumentos musicais com madeira certificada, na área de produção de hidrogênio. Acredito que se houvesse investimento para os 30 projetos que passaram talvez alguns não teriam dado certo, mas outros teriam deslanchado. Essa é a cultura americana de venture capital, na qual se corre o risco de investir em nove projetos e acertar apenas em um. Mas, de repente, o investidor pode pegar a “Microsoft” da biodiversidade. E essa é a idéia.
Fonte: (Instituto Ethos)
Fonte: (Instituto Ethos)
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