18 agosto 2010

QUEIMADAS, ATÉ QUANDO?


Por Alexandre Camargo Coutinho

A acelerada dinâmica de uso das terras e a elevada incidência de pontos de queimadas observadas na região da Amazônia Legal, na última década, atingiram proporções alarmantes, atraindo as atenções de políticos, ambientalistas e da sociedade em geral. Diferentes políticas, estratégias e ações de monitoramento e controle das queimadas foram propostas no decorrer desse período, com o objetivo de conter o deslocamento e o avanço da fronteira agrícola sobre as áreas de vegetação natural remanescente, mais especificamente sobre a Floresta Tropical Úmida. O Estado do Mato Grosso, localizado na região da Amazônia Legal, apresenta características especiais para o entendimento das relações entre a ocupação das terras e a incidência das queimadas, pois congrega em seu território uma importante diversidade ambiental e sócio econômica, favorecendo o desenvolvimento das análises propostas. Este trabalho identificou e mapeou a dinâmica de queimadas no Estado do Mato Grosso e procurou identificar seus principais condicionantes, baseando-se em análises espaciais e estatísticas, desenvolvidas com os dados de queimadas e de variáveis ambientais, econômicas e sociais.

O fenômeno das queimadas está forte e intimamente relacionado aos desmatamentos. Existem, basicamente, duas condições definindo essa associação: 1) a abertura de novas áreas, na frente de expansão da fronteira agrícola, dependentes da utilização do fogo para eliminar os restos de matéria orgânica resultante do corte e derrubada da floresta; 2) os agentes da ocupação inicial das novas áreas, incorporadas à atividade agropecuária, são geralmente agricultores e pecuaristas descapitalizados, voluntários ou assentados por programas governamentais, que adotam sistemas de produção convencionais, fortememte apoiados no uso do fogo.

A série histórica dos dados de queimadas deve ser vista como uma variável com potencial dinâmico e não simplesmente a ser utilizada na identificação e localização de pontos isolados. A compreensão desse fenômeno passa invariavelmente por uma análise da sua dinâmica, pois ações isoladas de monitoramento, combate e controle de queimadas ou desmatamentos, serão incipientes se não houver um esforço prévio de compreensão dos fenômenos que regem essas ações.

Não há dúvidas quanto aos impactos negativos da componente especulativa da posse da terra, cujo incentivo pode ocorrer tanto pela utilização das vias de acesso, abertas pela extração seletiva de madeira, quanto pela abertura de estradas por parte dos governos municipal, estadual e federal. Da mesma forma, não há mais como questionar a eficiência da adoção de estratégias radicais de transformação da paisagem, como a erradicação total da cobertura vegetal original, no processo de disputa e posse da terra. Inúmeras evidências convergem para a situação de absoluto desconhecimento e descontrole fundiário, na região da Amazônia Legal, como a principal componente responsável pela ferocidade e agressividade percebidas no processo de disputa pela posse das terras.

A autonomia do mercado de terras estabelecido na região prevalece sobre as irrisórias, pontuais e ineficientes políticas e ações preservacionistas, deflagradas pelos governos estadual e federal. Pior: as políticas desenvolvimentistas e preservacionistas, deflagradas contemporaneamente por diferentes setores do governo, são incompatíveis e agravam os problemas, gerando inúmeros conflitos de ordem ecológica, social, econômica e fundiária, ainda mal dimensionados e mal conhecidos.

A análise, a discussão e a compreensão desse cenário, complexo e dinâmico, são fundamentais e inevitáveis se realmente houver disposição para mudar o quadro atual de políticas públicas e ações de comando e controle e para formatar novas alternativas de atividades antrópicas ecologicamente sustentáveis, economicamente menos gananciosas e socialmente mais justas. Enquanto as queimadas forem tratadas como um fenômeno isolado, continuaremos assistindo ao agravamento da já complexa situação fundiária, ambiental, agrícola, social e econômica da Amazônia.

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