Febre é a elevação da temperatura acima dos limites considerados normais. Não é uma doença, mas um sintoma, uma reação do organismo ao ser agredido por um agente externo.
A Terra está com febre. E tudo indica que a culpa é nossa.
Várias cidades tiveram o janeiro mais quente desde que começaram as observações meteorológicas, na década de 1910 e 1920.
Florianópolis está entre elas. Fevereiro vai pelo mesmo caminho, com a onda de calor mais intensa de que se tem registro no Estado: já são mais de 15 dias consecutivos com temperatura acima dos 30ºC.
Diante desse calorão sem fim, fica fácil acreditar que o mundo está mesmo ficando mais quente.
— Mas são as médias globais que importam, não as regionais — destaca o diretor do Centro de Pesquisa Climática da Universidade de Massachusetts, Raymond S. Bradley.
Então, vejamos algumas estatísticas. Conforme dados divulgados na última semana pela Organização Meteorológica Mundial, 2013 foi o sexto ano mais quente desde que começaram as medições, em 1850, e um dos quatro mais abrasantes sem a interferência dos fenômenos
El Niño e
La Niña, determinantes da variabilidade natural do clima. Dos 10 anos mais tórridos da história, nove ocorreram no século 21.
Desde 1990, a temperatura da Terra vem aumentando 0,2°C por década. Isso é 50 vezes mais rápido do que o ciclo natural, considerando períodos glaciais e interglaciais nos últimos 800 mil anos. Relatório divulgado em 30 de janeiro pelo Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas (IPCC) projeta que a temperatura do planeta subirá ainda mais neste século, entre 0,3°C e 4,8°C, e o nível do mar aumentará entre 28 e 82 centímetros até 2100. Isso porque mais de 90% do excesso de calor causado pelas atividades humanas está sendo absorvido pelos oceanos.
O Ártico, em 2012, alcançou a extensão máxima de derretimento do gelo desde o começo das medições, em 1979. O aquecimento do mar muda os padrões de circulação de vento, fazendo com que o ar frio escoe, provocando mais nevascas em latitudes médias do Hemisfério Norte. É por isso que o aquecimento global pode também explicar fenômenos extremos de frio, como os registrados agora nos Estados Unidos e no Canadá. O estado do Kansas (EUA) teve temperatura de -22°C em janeiro, marca inédita desde 1912.
O homem e as mudanças
Alguma dúvida de que o efeito estufa está desregulando o termostato do planeta?
Poucas, mas há. Entre a minoria de céticos está o climatologista Luiz Carlos Molion, da Universidade Federal de Alagoas. Recentemente, Molion escreveu um artigo denunciando um "terrorismo climático", cujo intuito seria frear o avanço de países em desenvolvimento frente à crise econômica dos desenvolvidos.
Ele defende que o Sol e os oceanos regulam o clima da Terra, e o dióxido de carbono seria incapaz de exercer o papel de vilão solitário do aquecimento.
Para a maior parte dos cientistas, no entanto, a relação entre a ação do homem e o aquecimento da Terra é evidente. O IPCC aponta para 95% de chances de participação humana no efeito estufa, diante do aumento exponencial das emissões de carbono, principalmente a partir de 1950.
— Esse processo nunca foi tão acelerado quanto tem sido desde o início do século 20, período que coincide com o processo de industrialização e o avanço da medicina, que resultaram na urbanização e no aumento populacional. Então, há uma relação muito clara — afirma o pesquisador Tercio Ambrizzi, coordenador do Núcleo de Apoio a Pesquisa em Mudanças Climáticas da Universidade de São Paulo.
Obscuro é o futuro deste planeta febril. Pelas projeções em torno das estatísticas da OMM e do IPCC, a saúde da Terra é um caso de altíssima complexidade.
Estamos preparados?
Investimento em sistemas de alerta e prevenção de desastres é uma das medidas de adaptação necessárias para enfrentar o impacto das mudanças no clima global em nível regional. Para o pesquisador da USP Tercio Ambrizzi, o ponto de partida seria o mapeamento de vulnerabilidades.
Esse trabalho está sendo feito dentro do Plano Nacional Sobre Mudança do Clima, que foi criado em 2007 e vem passando por atualizações. As atualizações formam, na verdade, um conjunto de planos setoriais. Para 2014, está prevista a elaboração do Plano Nacional de Adaptação.
— O Brasil é um país sujeito a vulnerabilidades do clima, então é preciso adaptar a população ou a estrutura para evitar que se percam vidas e bens — comenta Neilton Fidelis, assessor do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, que participa das discussões em torno do plano.
No texto atual, são mencionados investimentos no Plano Nacional de Gestão de Riscos e Resposta a Desastres Naturais, entre 2012 e 2014.
Confira algumas ações para reforçar o sistema* Foram identificados 821 municípios prioritários com risco de deslizamento e enxurradas.
* 12 Estados já tiveram obras de prevenção selecionadas. São obras de contenção de encostas, drenagem, barragens e adutoras.
* O Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais entrou em operação em 2011, contando com 160 técnicos 24 horas por dia, 7 dias por semana.
* A unidade é capaz de emitir alertas para enxurradas e deslizamentos com duas a seis horas de antecedência.
* A rede de observação conta com radares, pluviômetros, estações metereológicas, sensores de deslizamentos, estações agrometereológicas e sensores de umidade do solo.
Ciclones podem ficar mais intensos
O aquecimento é global, mas os impactos são locais. Em seu último capítulo, o relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) faz um apanhado da literatura científica sobre alterações nos principais fenômenos climáticos e sua relevância para mudanças regionais no clima, caso as temperaturas médias globais subam mais.
Na seção dedicada à América do Sul, o capítulo aponta que as temperaturas vão aumentar ao longo de todo o continente, com maior aquecimento no sul da Amazônia. Há uma tendência de aumento na frequência de noites quentes na maioria das regiões. É muito provável que menos chuvas ocorram no leste da Amazônia, assim como no nordeste brasileiro no período de seca. Há grande probabilidade de aumento nos eventos de precipitação extrema, especialmente no sul do Brasil e no norte da Argentina.
Na avaliação de Tercio Ambrizzi, coordenador do Núcleo de Apoio a Pesquisa em Mudanças Climáticas da Universidade de São Paulo, uma preocupação real para Santa Catarina e Rio Grande do Sul é a intensificação de ciclones extratropicais, já que os dois Estados estão na rota desses fenômenos no Brasil.
Ambrizzi relembra situações como o temporal que causou destruição em dezenas de municípios gaúchos e catarinenses em 2008, com ventos de mais de 100 km/h e enchentes severas, principalmente no Vale do Itajaí.
— Não é que os ciclones extratropicais estejam mais frequentes, mas estudos indicam que eles estão mais intensos — frisa o professor.
De acordo com o oceanógrafo Paulo Cesar Abreu, professor do Instituto de Oceanografia da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), os registros sobre ciclones extratropicais nos litorais gaúcho e catarinense estão mais frequentes e podem ser consequências dessas mudanças climáticas.